
Mil novecentos e oitenta e oito
Foi o ano em que surgiu
Uma estória emocionante
DE dois meninos do Brasil
Dois meninos de oito anos
Um do “Sul” e outro no “Norte”
Que por destino ou por sorte
No Piauí foi se encontrar
Em uma manhã de Sol intenso
Como é no meu sertão
Dessas que o rosto sente
O calor que vem do chão
Sai pra brincar no terreiro
já tinha em mente a intensão
de conhecer os meus vizinho
que chegaram em caminhão
Naquela casa já tivera
Muitos outros moradores
Nenhum deles se fixara
foi embora sem retorno
antes mesmo de firmar
uma amizade maior
daquelas que viram tesouro
Mas voltando pra manhã
Daquele dia bendito
Em que eu brincava no chão
Na areia e sem amigos
Com trecos de minha mãe
Já que brinquedo eu não tinha
Vi sentar-se no batente
daquela casa vizinha
Um menino tão branquinho
Cabelo preto lisinho
Que me olhava curioso
Querendo juntar-se a mim
Como eu dissera antes
fui pralí com uma intenção
de fazer logo amizade
e não, causar confusão
com os meus novos vizinhos
que eu esperava, se firmassem
porque queria um amigo
que me preenchesse o coração
Quando ele me olhou
Olhei de volta e me ri
Chamei que viesse a mim
Pra brincar alí no chão
Ele veio sem demora
Sorrindo um sorriso largo
Em que vi seu coração
Vi que era transparente
Tive certeza depois
Por tudo que nós vivemos
Pela amizade entre nós dois
Brincamos horas a fio
Fui a sua casa e ele na minha
Vi seus pais, vi seus irmãos
E ele conheceu as minhas
Tínhamos oito anos
A inocência de uma época
E muitos de vida
Ele era tão gentil
Sem egoísmo dividia
Tudo o que ele tinha
Um bombom que ele comprava
Um bolo que sua mão lhe dava
E toda a amizade que tinha
Éramos de sagitário
nascidos no mesmo ano
em dezembro pra vida saltamos
e nela muito brincamos
Era trisca, era cola
Boca de forno e roda
Do mata e policia e ladrão
Brincava de futebol
Barra-bandeira e pião
E tantas outras aventuras
Que inventávamos de montão!
E como eu era enrolão
Ele sempre muito reto
Perdia muito na dama,
no dominó e baralho
Mas não causava confusão
Chegou certa vez outro amigo
Morando na casa 15
Ele 14 e eu na 13
Fiquei por ciúme invadido
Pois meu amigo querido
Ia ter mais um vizinho
Iam roubar meu irmão?
Não!
Mas fiquei mesmo enciumado
Me senti ameaçado
Mas abrandei meu coração
Viramos três mosqueteiros
Os três amigos primeiros
De uma vindoura legião
Conforme os anos se iam
Os nossos irmãos cresciam
Augusta, Chris, Lidiane
Vando e seu cabelão
Firmando entre si amizade
Com forte elo e união
Desbravamos nossas casas
Brincando de esconde-esconde
Escondendo objetos
Fazendo muita aprontação
O Centro Esportivo era então
O castelo da imaginação
Todo nosso, todo imenso
O parque da diversão
Embrenhávamos nas matas
Banhávamos nas Pitombas
Bricávamos no Santaninha
Quando ainda em cosntrução
Íamos uma turma
Brincar de polícia e ladrão
E na escola, veja só
Eu era um professor
Metido a lhes ensinar
Toda noite num labor
As lições de sua escola
O Bê-a-bá
Bê -o – bó
Mas brigávamos também
Qual o amigo que não briga?
Entrigávamos demais
Sempre eu gerava a briga
E como eu provocava
Me retratava também
De uma semana não passava
Pois a ausência não suportava
Fazia as pazes
Amém!
Uma vez, que engraçado
Brincando de Changeman ou Jáspion
Acabamos foi brigando
De tapa, que confusão!
Ficamos todo ralado
De rolar em todo o chão
Desde o Centro Esportivo
Passando nos calçamentos
Entrando em sua casa
Parar no banheiro então
Desde cedo trabalhava
Pra ajudar seus pais em casa
Vendia dindim, cheiro verde
Mas não era exploração
Na adolescência ia pra feira
Montar sua barraca cedo
Vendia bem seus cigarros
Bolos que a mãe fazia
E durante todo o dia
Praticamente não o via
De manhã eu estudava
La na minha própria casa
Ele na lida da feira
De segunda a sextafeira
A tarde eu ia ao colégio
Ao dele ele já não ia
Não sentia simpatia
Pelo que via nas aulas
Nos víamos em geral à noite
Quando saiamos juntos
Ou ficávamos alí mesmo
Conversando horas a fio
Certa vez os nossos pais
Tiveram uma discussão
Entrigaram-se então
Pra adulto coisa feia
E nós como ficaríamos?
Nossos pais em confusão?
Tão triste cada um pro lado
Apertado o coração
Sem poder falar um ao outro
Morando em casas ligadas
Com a amizade enraizada
Como dividir o coração?
Afinal pais diferentes
Mas vivíamos como irmãos
Eu andava agoniado
Sem saber o que fazer
Queria falar e não sabia
De que forma proceder
Então num São João do bairro
Pedi a um amigo em comum
Que fizesse a ligação
Que fosse a ele dizer
Que eu queria lhe falar
Não podia lhe perder
Assim esse amigo fez
E ele veio me falar
Disse que não achava certo
Os nossos pais assim brigar
E nós pagarmos o pato
Nós deixar de se falar
Então deixamos de lado
Aquela briga sem sentido
Nos falamos como sempre
E continuamos unidos
Estabelecemos um sinal
Pra chamar o outro em casa
Assubiar num som bem alto
Para o outro alertar
De quando sair pro terreiro
De casa pra prosear
E assim por um bom tempo
Foi como aconteceu
Até aos poucos voltarmos
A viver como devia
Andando um na casa do outro
Tendo a mesma companhia
O tempo assim foi passando
E ele aprendeu a fumar
Eu pedia pra parar
Mas ele não me ouvia
Passou também a beber
E eu não sabia o que fazia
Saiamos de bicicleta
Ele na dele, eu na minha
Desbravando a cidade
Falando das descobertas
Que na adolescência acontecia
Quanta aprontação
Quanto entendimento
Eramos dois irmãos
Carregados pelo vento
E nos nossos reveillons
Muita farra e alegria
Em especial diria
Nos três últimos anos
Que em Oeiras vivemos
Quando meus pais viajavam
E a casa era só minha
Pra lá iam meus amigos
Festejar, brincar, dançar
Conversar e aprontar
Coisa de adolescente
De qualquer cidade e lugar
Naquela noite em especial
Ele bebeu pra dedéu
Ficou muito embriagado
E foi juntar-se a outros
Que estavam a festejar
No Centro Esportivo daquele lugar
Preocupado eu fiquei
Pois tarde já se fazia
Os vizinhos já dormiam
E minha casa esvasiava
Como vi que demorava
Meu amigo a retornar
Fui até o Centro Esportivo
Tentar a ele buscar
E levar pra sua casa
Pra não mais ele aprontar
Quando alí cheguei
E chamei pra vir comigo
Me abraçou pelo pescoço
E falou pros seus amigos:
“Esse aqui é meu irmão”
E sem rima mas com emoção
Completou pra minha alegria
“Amo esse cara! É meu irmão!”
Veio então junto comigo
Eu coberto de emoção
Abraçado junto a ele
Palpitando o coração
Levei-o pra minha casa
Pra sua casa não foi não
No sofá ele arriou
Fechei as portas e entrei
O olhei alí deitado
E então emocionei
Lembrando o momento antes
Tudo o que eu escutei
Chamei meu amigo então
Pra banhar, pra se limpar
Pois na casa, a sala inteira
Ele tava a vomitar
Acanhado tomou banho
Sem tirar nem o calção
Depois levei-o pra cama
Onde dormiu de supetão
E eu deitado na rede
Cheio de atenção
Quando o dia amanheceu
Ele primeiro acordou
A casa toda limpou
E foi-se embora pra dele
Quando acordei pro novo ano
Agradeci a meu Deus
Pois uma amizade como aquela
É sem duvida um tesouro
Chegamos em Noventa e Sete
Agora aos dezessete anos
Dez anos já se passados
Desde nosso primeiro plano
Desde o inusitado encontro
No terreiro lá de casa
Fui-me embora pra Picos
Seguindo minha família
E veja como é o destino
Também foi com sua família
Nada fora planejado
Tudo obra do destino
Em Picos moramos longe
Mas alí nos visitamos
E lembro com muito gosto
Nosso derradeiro encontro
Quando rodamos a cidade
A pé, só nós, conversando
Observando as ruas,
Os picos e tudo o quanto
E aportando no quintal
Da casa em que eu vivia
Apreciando naquele dia
A lua que cheia se fazia
Alí só contemplação
Só olhar e atenção
Mas foi uma conversa linda
Sem palavras, só emoção
Mas quando pensei que não
Sua família já se ia
Ia embora pro Sudeste
Tentar nova vida em Minas
E ele como filho que era
Sua família seguia
Chorei vezes de saudades
Lembrei muito nossa vida
Mas mantivemos a amizade
Mesmo com a distancia maldita
Nos nossos aniversários
Dia oito e vinte e um
Um ligava para outro
Era o mais certo que havia
Pois um do outro não esquecia
Quem é que esquece um irmão?
Mas os anos se passaram
A saudade aumentou
E no ano 2008
Uma decisão se tomou
Eu ia Belo Horizonte
Rever meu querido irmão
Que há dez anos passados
Foi-se embora do sertão
E aqui não mais voltou
Triste fatalidade
O destino nos pregou
Justo naquele ano
Ele de mim o levou
Por uma maldita mão
Que sua vida tirou
Chegara do seu trabalho
Após muito tempo distante
Dias que não ia em casa
Trabalhava com o irmão
E soubera que sua mãe
Tava em outra região
Juntamente com seu pai
Que trabalhava alí na ocasião
Desviara-se pra lá
Foi contente pra abraçar
Seus pais e amenizar
A saudade deles já
Mas foi naquele lugar
Que o maldito lhe tirou
A sua vida preciosa
E a tristeza nos deixou
A falta doída e imensa
Da companhia, da sua presença
Que a todos sempre alegrou
Um amigo, um irmão
Que só fazia o bem
Que conjugava o verbo amar
Com transparente verdade
Sem um pingo de vaidade
Só com Deus no coração
Então ao ir ao trabalho
No fim de um setembro escuro
Recebo a triste noticia
Que me tirou todo o rumo
Perdi o prumo e chorei
No ônibus me desesperei
Gritei assim: “Não, não não!!!”
Cheguei aos prantos no trampo
Não consegui trabalhar
Só chorava, lamentava
E fui um vôo buscar
Pra tentar um último abraço
No meu irmãozinho dar
Não achei horários logo
Fui só na manhã seguinte
E a tempo não cheguei
De rever o meu amigo
Chorei em toda a viagem
E em sua casa sonhei
Com ele a noite inteira
Nossa amizade verdadeira...
Mas sei que ele está bem
Um coração puro assim
Só merece um cantinho
Bem na vista do Senhor
E ele vem a mim sempre
Nos meus sonhos, pensamentos
Aliviar meus tormentos
Quando me pego a chorar
E choro sim, de saudades
Muitas noites, muitas tardes
Quando lembro que a ele
Na Terra não mais verei
Um abraço não mais terei
Só um dia, na eternidade.
Fabiano era seu nome
Flávio Guedes é o meu
Eu o chamava de João
Pra ele eu seria o São
Mas na vida fomos muito
Fomos como dois irmão!
(Flávio Guedes)